
Historiografia da Analepse (2021) — fragmento
O SEGUNDO VOO DE ÍCARO
Sonho com o ninho da águia
noite após noite
sem pausas ou descanso
e descanso só
poisando bravo no leito
nu, seu áureo céu
fugaz, ora maldizendo
a distância, ora batendo
asas e voando
horizonte afora
onde magia e enlevo
são um só
e a fauna devora
a razão.
*
COMO VIM AQUI PARAR
Como vim aqui parar?
A primeira casa da infância.
O passado mais passado da memória indistinta.
Corro em direção à cama empoeirada,
com meu inesgotável vigor de infantário
lacero o pé numa lança de ferro e, sufocado pelo calvário,
choro por minha mãe, que de capa em riste me acode de pronto,
pronta para me lavar e untar os pés como Jesus no corcovado
de braços abertos, curvado aos pés de seus apóstolos.